Curiosidades: Cuidado! A Internet pode te deixar mais burro


A dinâmica da Internet faz com que nosso cérebro funcione de uma maneira diferente. Ele passa a perceber as coisas de uma maneira muito superficial e, o que é pior, se acostuma com isso. Veja como e por que isso acontece e aprenda a prevenir-se.
Por Rodolfo Araújo
Nicholas Carr escreveu um livro ímpar, uma obra-prima sobre uma revolução tecnológica, cultural e biológica que nos deixa cada vez mais distantes dos... livros. Este aparente paradoxo resume grosseiramente o conjunto de ideias mais perturbador com que tive contato nos últimos tempos.

Desde seu provocativo ensaio Is Google Making Us Stupid?, publicado em meados de 2008, Carr vem discutindo a forma como a Internet e sua ubiquidade vêm transformando não só a maneira como vemos o mundo, mas também nossos relacionamentos e, em última instância, nossos cérebros.

Em The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (W. W.  Norton & Co., 2010 - disponível também na Livraria Cultura), Carr constroi sobre o tema de forma magistral. Ele contextualiza o assunto através das várias revoluções ocorridas desde que começamos a viver em comunidade concentrando-se, ainda, nas mudanças relacionadas com o armazenamento e a transmissão do conhecimento.

Antes da escrita, conta o autor, todo o conhecimento acumulado por uma geração era transmitido à seguinte de forma oral. A quantidade de informação limitava-se, portanto, à memória das pessoas, ajudada por rimas e canções, mas atrapalhada por versões e interpretações.

Da pedra para o papel, a escrita também experimentou importantes alterações, que hoje parecem inimagináveis. Como ainda representava a derivação de uma tradição oral, a leitura era feita em voz alta. Parte disso era para tentar entender o que o emaranhado de letras significava, já que não havia espaços entre as palavras, tampouco regras gramaticais ou de sintaxe definidas.

Somente quando a escrita passou a ser padronizada e os espaços foram introduzidos, o leitor pôde dedicar-se mais ao próprio significado do texto do que ao ato de decifrá-lo. A leitura passava a ser, neste momento, um exercício de introspecção e reflexão, criando uma ética toda própria, abrindo caminho e disponibilizando as ferramentas para as revoluções culturais seguintes.

As inovações posteriores trataram de difundir e popularizar a escrita e a leitura. Tanto a prensa de tipos móveis de Gutenberg quanto o barateamento da produção de papel impulsionaram o mercado editorial, multiplicando o volume dos textos impressos. Quantidade e qualidade estabeleceram indústrias seculares e resistiram à chegada do gramofone, do cinema, do rádio e da televisão.

De acordo com Nicholas Carr, no entanto, o livro está prestes a sucumbir à Internet. Mas ainda que esta afirmação pareça lugar-comum a cada lançamento de e-reader, os motivos apresentados pelo autor são diferentes e muito, muito preocupantes. Para ele, a dinâmica da Rede vem alterando os mais básicos processos cognitivos envolvidos na leitura, inclusive em nível biomolecular.

Antes de prosseguir com suas idéias, Carr precisou destruir um dos mais arraigados - e errados - mitos sobre o cérebro humano: a falácia de que ele se define inteiramente nos primeiros anos de vida. A maior parte da nossa estrutura neuronal constitui-se nesta fase, de fato, mas diversos estudos recentes comprovam que novas conexões podem ser formadas, desde que haja estímulos para isto - do mesmo modo que estruturas ociosas também são desfeitas.

Na vida real, Tarzan e Mowgli jamais aprenderiam a falar
Pacientes que tiveram áreas do cérebro comprometidas por traumas ou tumores conseguiram que outras regiões saudáveis assumissem suas atividades, reforçando a tese da neuroplasticidade.

Mas assim como esta flexibilidade ameniza, em certo grau, o determinismo genético, as habilidades abandonadas desde cedo podem ser irremediavelmente perdidas, conforme suas estruturas são redirecionadas.

Ainda que a desatenção seja o estado natural do nosso cérebro (resquício de ter que cuidar das crianças, espreitar a caça e se proteger do tigre-dente-de-sabre ao mesmo tempo), nos últimos quinhentos anos conseguimos nos reeducar para realizar atividades intelectuais mais complexas.Tais alterações não ocorrem no âmbito genético, mas através da educação e convivência, moldando o cérebro de acordo com as necessidades específicas de cada indivíduo, cada contexto.

As últimas décadas, porém, parecem ter iniciado a reversão deste processo. Quando uma página de Internet nos bombardeia com banners, pop-ups, cores, sons, vídeos e outras distrações - além dos onipresentes emails, mensagens instantâneas, SMS, BlackBerries e iPhones - está minando nossa capacidade de concentração. Ler um texto com hyperlinks implica perguntar-se constantemente se devemos clicar ou não - e o mesmo vale para banners, pop-ups e que tais. Percorrer a tela com um mouse demanda uma atividade motora mais complexa do que virar páginas.

Navegar na Internet requer, portanto, uma série de atividades cognitivas que concorrem com a interpretação e processamento daquilo que se lê. Isto consome, por conseguinte, boa parte da nossa memória de trabalho, dificultando sua posterior transformação em memória de longo-prazo.

A acelerada dinâmica da Internet promove, paulatinamente, o estilhaçamento da nossa atenção, comprometendo-a não apenas enquanto estamos online. A outrora agradável leitura de um livro tornou-se, para muitos, um impossível exercício de concentração. Quando perde-se o foco, vai-se também a capacidade de raciocinar de forma coerente e criativa. A festejada plasticidade neuronal representa, então, uma via de duas mãos, pois os maus hábitos podem ser incorporados tão facilmente quanto os bons.

Em algum momento na história humana, determinadas tecnologias tiveram impactos profundos em nossa forma de pensar e enxergar o mundo, mudando nossa percepção da realidade. Com o advento dos mapas, aprendemos a representar o que não víamos, identificar o que não conhecíamos. Em ambos os casos, desmaterializamos o raciocínio e passamos a exercitar o pensamento abstrato.

Com os mapas, passamos a desenhar o que não víamos
Com o relógio mecânico - ou o ato de observar a passagem do tempo - dividimos nossa existência em pedaços sincronizados e localizados dentro da eternidade.

Nossas rotinas assumiram o caráter mecânico, científica e rigorosamente  cronometradas pelo instrumento recém-criado. Como o rabo que balança o cachorro, o instrumento passou a determinar o que medir.

Ambos os exemplos representam caminhos sem volta. A adoção de novos instrumentos inibe algumas das habilidades substituídas - e estas podem ser perdidas para sempre.

Em seu clássico Understanding Media: The Extensions of Man Marshall McLuhan já alertava que este tipo de problema poderia acontecer, na medida em que o foco da mensagem migra para o meio em que ela transita. Nos idos de 1964 McLuhan escreveu que nossas ações e pensamentos sofrem mais influência do meio de comunicação do que do próprio conteúdo, no longo prazo. Para ele, "[Os] efeitos da tecnologia não ocorrem no nível das opiniões e conceitos, mas na alteração de padrões de percepção, de forma contumaz e sem resistência".

Esta nova relação com o texto escrito parece não chamar a atenção porque as mudanças foram sutis e graduais. Além disso, procuramos prestar atenção apenas no que lemos - e não na forma como lemos. Mas as publicações de hoje têm mais fotos e menos textos. Quantas páginas de um livro você consegue ler de uma vez? Aliás, você ainda lê livros*? E quando foi a última vez que escreveu um texto no papel, sem um editor de textos? Foi fácil?

Claro que a evolução da tecnologia traz também enormes benefícios, como mais acesso a um número maior de obras. Outra vantagem apontada por Carr é que com a possibilidade de constantemente revisar e editar sua obra, o autor não tem mais a pressão de escrever um texto perfeito logo na primeira tentativa.
Nada disso vale, contudo, se ninguém quiser ler. Se ninguém tiver paciência para chegar até o final de um texto que precise de mais de dois Page Downs. Ou se o autor - que também é leitor - não conseguir sair da superficialidade em que todos parecem estar se afogando.